quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Teses sobre o desejo (2)

Será o desejo exclusivamente humano? É certo que compartilhamos o universo da libido com todos os demais seres vivos. Mas libido e desejo são diferentes, embora relacionados. É difícil conceituar libido que, segundo Lacan, é uma “ficção necessária”. A libido se confunde com a própria vida: é a insistência em divergir, se multiplicar, continuar ou, em outras palavras, a luta da vida contra a tendência implacável do universo à entropia, à desorganização, isto é, a morte. Característica da vida é a sua obstinação em se repetir ou, em termos mais técnicos, de se replicar. Podemos entender a libido como um algoritmo de replicação baseado num código genético, o DNA, comum a todos os seres. Ora, este algoritmo genético é a base do que, nos animais, chamamos de “instintos”, que são comportamentos inatos e “programados” na maioria dos seres. Assim, as tartaruguinhas ao sair do ovo já correm de imediato para o mar, os bezerrinhos já sabem onde procurar o leite de suas progenitoras. Já o bebê humano, não: ele não pode ir até o seio da mãe. É o seio da mãe que tem que ir até ele.  Daí que nos seres humanos, haja algo mais do que a necessidade que se impõe como um “instinto” interno: ela precisa ser atendida e para ser atendida precisa ser demandada (“quem não chora não mama”...).

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Teses sobre o desejo (1)

O que se deseja? Por certo que não um objeto que, uma vez obtido, o possuiríamos.  Para falar como os engenheiros, o desejo não é “orientado a objetos”. Mas para onde aponta o desejo, afinal?  Antes de chegar a seu destino, se chegaremos a algum lugar, ou se é que o desejo tem um lugar, talvez seja interessante começar pela linguagem, onde o desejo se instala, se incrusta, segundo a psicanálise. O bebê chora. O recém-nascido não sabe de nada, ele apenas sente o mundo como um incômodo, um desconforto violento. Seu choro nem sequer é um choro, ele apenas se exprime de maneira imediata, pura expressão direta. Então vem o seio da mãe. O bebê sente a delícia provisória do seio inundar sua carne como ondas de prazer. Então ele dorme. E depois volta o desconforto, aquela sensação insuportável retorna. E o bebê chora. E o seio da mãe logo se apresenta. E o bebê retorna ao mundo delicioso da dor postergada no mamilo sugado. Para a psicanálise, a linguagem se inicia na conexão lógica que se estabelece entre o choro e o seio materno, entre a necessidade que se “apresenta” no choro como simples dor de existir, que o bebê sente de maneira bruta e primordial, e a demanda por alívio, que se “representa” no seio materno. Porém, entre choro-dor e seio-delícia há um atraso, uma defasagem. Em sua demanda, o bebê quer ser prontamente atendido, mas há uma demora, um hiato. O desejo é esta lacuna.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Não tema

Imagem de Maria Matina

Não tema
o que não se controla,
o momento do chute
ou a trajetória da bola.

Não tema
o que não se resolve,
a palavra no poema
ou uso do revólver.

Não tema
o que não dá para apagar
como a trepada dos pais
ou a bomba nuclear.

Não tema
a ausência de temas,
pois há sempre uma história
para se criar com os problemas.

Não tema
se na última reforma
acabaram com o trema,
pois é só mais uma norma.

Não tema
o próximo imprevisto.
Quem foi que disse
para se preocupar com isto?

Não tema
mais uma rima,
é assim que se constrói
uma obra-prima.

Não tema
a vizinhança da morte.
Talvez esta presença
seja o que dá um norte.

Não tema
o que não faz sentido,
pois não fazer sentido
já é também um sentido.

Não tema
a segunda-feira
se há toda a semana
para alcançar o que se queira.

Não tema
se o poema nunca termina:
é apenas uma metáfora
de sutileza pouco fina.

Não tema!
Já que basta pôr um fim
sabendo que se recomeça
seja assado, seja assim.

poema de Guilherme Preger

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Teses para o Ecossocialismo XXI (1)

Parafraseando Walter Benjamin, o capitalismo tardio consumista promove a privatização da coisa pública. O ecossocialismo responde com a politização da vida privada.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Eleições (11-final)

Mas o que seria uma política para além dos aparelhos de estado? Inicialmente é preciso rejeitar a ingenuidade de que é possível criar uma situação “não-aparelhada”.  Ganhar as ruas, retornar ao princípio básico de que toda política nasce nas ruas pela mobilização popular, que é nas ruas que se organizam as coletividades para as atividades políticas elementares tais como demandar, protestar, pressionar e, em extremos, interromper o livre curso das coisas, não significa esquecer que toda ação política ao final deve ser sustentável e que esta sustentabilidade é obtida através de diversos tipos de aparelhos sociais.  Como abordar as urgentes questões sociais quando os partidos políticos deixaram de ser arenas abertas de discussões para atuarem como máfias em nome de interesses particulares? Talvez devamos, em épocas de crise, acrescentar às tarefas mencionadas, que são as mais básicas de toda política, a prática da invenção. Invenção que pode aproveitar a lacuna aberta pela indiferença popular e a ausência de fé e compromisso político. Significa inventar não novos aparelhos, mas sobretudo novas aparelhagens políticas. Estas novas aparelhagens, que seriam autônomas em relação aos aparelhos (p.ex. os Partidos), deveriam prover dispositivos públicos que funcionariam socialmente como fóruns de discussão e proposição de ideias. Aparelhagens que não significassem mais controle social e sim espaços de convivência e compartilhamento de ideias.  Teríamos um redimensionamento do conceito de participação política com a presença voluntária nestes espaços (Isto é muito mais importante do que a estéril discussão se o voto deveria ser obrigatório ou não. Atualmente  não está fazendo a menor diferença...).  E, sem dúvida, essas aparelhagens contariam com os recursos cibernéticos que hoje tornam possível uma participação virtual, não-localizada, expandindo sua potencialidade. E a partir daí novas coletividades poderiam surgir.  Não é isso que em 68 os jovens queriam dizer quando foram às ruas e pichavam as paredes exigindo “a imaginação no poder”?  

Eleições 2010 (10)

Mas como passar da indiferença e do cinismo para a participação política? Pode-se dizer que aí é que reside o problema maior. As velhas estratégias de engajamento já não mais funcionam. Diante do fracasso político de sua geração, ainda na década de 80, o cantor Cazuza dizia que precisava de uma ideologia para viver. O problema é que as antigas ideologias já não convencem mais.  Mas é um engano supor, por outro lado, que já não há mais novas ideologias ou que nenhuma é mais convincente. Ao contrário, na sociedade de consumo capitalista elas se tornaram até mais sutis e, por isso mesmo, mais persuasivas. A típica ideia de que devemos abandonar a esfera pública e deixá-la  à mercê de gestores para  nos dedicar integralmente aos afazeres privados é uma poderosa ideologia.  Esta ideologia da não-ideologia é a chave para um consumo livre e sem “culpas” dentro da esfera privada enquanto outros se encarregam de decidir nossos destinos sociais. Ao mesmo tempo em que se assume que não há mais ideologias, uma série de novas questões se torna premente: a questão ecológica que ultrapassa as fronteiras nacionais, incluindo o tema urgente do aquecimento global, os obstáculos crescentes ao livre trânsito dos trabalhadores, a necessidade de regulação social das pesquisas biogenéticas, a importância da discussão  democrática dos novos rumos tecnológicos, o debate acerca dos impactos da geração energética no ambiente e na sociedade,  o livre acesso à informação e ao conhecimento para que estes não se tornem mercadorias e  o controle das patentes em questões que englobam a saúde pública e o patrimônio biogenético. Uma simples conferida nos programas dos principais partidos políticos mostra que suas plataformas passam ao largo da maioria destas questões. Mas a preocupação maior vai noutro sentido: não será que a forma dos aparelhos, baseada em partidos políticos centralizados, não se tornou obsoleta frente a estes novos desafios? Será que nossa incredulidade em sua função não significa que a política está para além dos aparelhos? 

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Eleições 2010 (9)

O grau 0 político, a escolha por um sistema de administração de pessoas no lugar do real exercício da luta política, é o fim da ideia da eleição como representatividade. De fato, os eleitos já não mais “representam” os cidadãos que os elegeram, pois já não há mais o elo compartilhado seja de um conjunto de ideias (ideologia), seja mesmo de um projeto de governo. Eles foram ou serão eleitos como “gestores” de aparelhos e já não carregam mais em si as expectativas das parcelas do eleitorado por mudanças sociais. Neste processo os partidos se desfazem, pois ninguém mais “toma partido” de ideia nenhuma, pois simplesmente não há mais ideias. Mas talvez haja algo de positivo nesta situação catastrófica. Talvez chegar “ao fundo do poço” tenha o caráter benéfico de produzir uma inflexão e não ficar preso ao lodo do “quanto pior melhor” fascista. Esta inflexão seria a produção de certa indiferença ao caráter determinante dos aparelhos na organização social. É verdade que esta indiferença pode significar a difusão de um cinismo generalizado, o que aliás já é evidente socialmente. Porém, este cinismo é antes um sintoma desta indiferença do que sua causa. Ele produz, ou é índice de, um distanciamento em relação aos aparelhos de poder como pólos de decisão pública. Este distanciamento significa, sobretudo, a perda da crença na efetividade política dos aparelhos. E de fato, para que os aparelhos de poder funcionem, é preciso que se creia neles ou, ao menos, que se finja crer. E mesmo este fingimento é hoje inviável...

Eleições 2010 (8)

A ausência de menção no programa dos candidatos em relação ao trabalho é um exemplo claro de despolitização da campanha nestas eleições. É como se o trabalho tivesse se tornado um assunto exclusivo da vida privada das pessoas e não fosse um assunto público. O que nos leva novamente ao tópico do grau 0 político e nos faz compreender melhor o fenômeno do lulismo. Eleito em 2002 como um representante típico do sindicalismo brasileiro e, enfim, do próprio mundo do trabalho, Lula só se tornou aceito e “adotado” pelas elites econômicas e financeiras do país, que hoje o apóiam em sua maioria, como alguém que poderia “domesticar” as crescentes tensões sociais da vida brasileira, incentivadas pela histórica desigualdade social. Estas tensões corriam o risco de sair de controle depois do “encolhimento” do Estado, levado a efeito pelo tucanato anterior e sua política neo-liberal. O lulismo teve a tarefa de absorver na imensa malha do estado os movimentos sociais e suas crescentes demandas. Lula, num certo sentido, “patrimonializou” os movimentos sociais brasileiros. Assim, ocorreu o paradoxo de que um representante das “esquerdas históricas” tenha conseguido com sucesso despolitizar a vida nacional como seus antecessores não teriam jamais pensado. Um exemplo típico é o MST: o que representa de ameaça à ordem instituída o Movimento dos Sem-Terra em relação ao que representava nos anos de FHC, quando era considerado nada menos que a figura de um movimento semi-guerrilheiro?

Eleições 2010 (7)

Sociólogos quebram a cabeça tentando entender a imensa popularidade de Lula após 8 anos de governo e a atribuem, erroneamente, à existência de benefícios de assistência social, como a bolsa-família. Mas a miséria de menos de 100 reais da bolsa não explica o fato de cerca de 20 milhões de pessoas que cruzaram a linha de pobreza nos últimos anos. Este fato se deve basicamente ao aumento do salário mínimo que puxa, entre outras coisas, a recuperação econômica. É sem dúvida um fator importantíssimo da popularidade do presidente. Porém, ele vem acompanhado de mais uma contradição: a de que a participação da renda do trabalho no PIB não tenha aumentado no mesmo grau, ou não tenha relativamente aumentado. Isto poderia explicar a persistente rejeição a Lula, que é mais presente na classe média do que nas elites, além de um possível preconceito classista. Esta ainda pequena participação do salário na conta do PIB se deve sobretudo ao fato do crescimento econômico brasileiro continuar vinculado à exportação de commodities que além de gerarem menos emprego, também tem baixo valor agregado. Aliás, a respeito da renda do trabalho, é notável que nenhum candidato tenha colocado em seu programa um compromisso de elevar esta renda, ou seja, de aumentar o poder aquisitivo da massa trabalhadora, o que deveria ser um programa mínimo de governo. É que ainda não se convenceram de que é o trabalho, e apenas o trabalho, que produz riqueza social, como provou o velho barbudo alemão há mais de 100 anos...
http://muitopelocontrario.wordpress.com/2010/06/22/brasil-cresce-renda-do-brasileiro-cresce-pobreza-diminui/

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Eleições 2010 (6)

A manutenção das UPPs também impõe uma outra questão, a da migração da violência. Ou em outras palavras, as UPPs não resolvem os problemas de violência, que são antes estruturais do que conjunturais, mas o “deslocam”. O último mapa de violência já atesta uma interiorização da criminalidade brasileira e uma migração para áreas recentes de desenvolvimento econômico, como Macaé que, em menos de 10 anos, se tornou uma das cidades mais violentas do Brasil. Áreas assim até então virgens de criminalidade e razoavelmente bucólicas se vêem invadidas por atividades criminosas que, como no caso das favelas, minam sua própria economia. Por outro lado, a diminuição da criminalidade observada conjuntamente em várias capitais brasileiras andou de par não com estratégias de combate policial, mas com a elevação de renda proporcionada pelo aumento do salário mínimo. Um exemplo claro, é que nas duas únicas capitais que figuram entre as 10 cidades mais violentas, Maceió e Recife, são capitais em que a linha de pobreza não diminuiu sensivelmente (ver mapa de violência 2010). Estes fatos, aparentemente contraditórios e paradoxais, de que tanto a riqueza quanto a pobreza atraiam a violência demonstra pelo menos 2 pontos: 1- uma riqueza exógena que não seja produzida em nome da própria população (como é o caso do comércio de drogas em favelas e num outro extremo, o do petróleo para cidades como Macaé) não contribui para a diminuição da criminalidade, antes a incentiva; 2- uma distribuição mais equitativa de renda produzida pela renda endógena promovida pelo aumento de salário pode ser mais eficaz para a redução da criminalidade do que qualquer estratégia de combate policial.


mailto:http://www.institutosangari.org.br/mapadaviolencia/

Eleições 2010 (5)

Pacificar as comunidades é, sem dúvida, uma necessidade política premente, condição para que ações de urbanização e inclusão se desenvolvam nestas coletividades. É fundamental cortar o nó econômico que liga a favela ao lucrativo comércio de drogas. Pois este comércio sempre empregou pouca gente (por mais que o preconceito atemorizado de classe média diga o contrário) e ainda impediu que a favela seguisse empreendimentos próprios de auto-gestão comunitária. A emancipação das favelas passa antes de tudo por sua revitalização econômica, pela sua capacidade de desenvolver trabalhos em várias áreas, o que o tráfico de drogas inibia. Afinal o comércio de narcóticos é apenas um empreendimento exógeno à vida real das favelas. Então a questão das UPPs se coloca: até quando é possível manter uma “ocupação” que implica numa vida sob segurança de estado permanente? E até que ponto esta ocupação não será apenas mais um capítulo da história social do Estado brasileiro de se opor e desmontar todas as iniciativas populares que se desenvolvam fora de suas asas, o assim chamado, “patrimonialismo brasileiro”, descrito por tantos historiadores e sociólogos, uma marca tradicional de nossa organização política deficiente?

Eleições 2010 (4)

É preciso admitir que as UPPs são uma novidade na estratégia policial mais recente. É verdade que o mesmo governo que vem implantando as UPPs iniciou sua gestão com o uso de uma violência policial inédita que gerou um extermínio policial no Complexo do Alemão, jamais explicado e igualmente jamais cobrado socialmente. Em certos países, uma ação genocida como aquela teria obviamente feito cair o governador e seus auxiliares, mas nenhum deles teve sequer que responder judicialmente, numa prova cabal da anestesia política social. O evento da derrubada de um helicóptero policial na favela dos Macacos em Vila Isabel marcou então uma inflexão na estratégia de polícia. Às custas de um recrutamento enorme de novos policiais, através de concursos públicos que, de fato, geram empregos, mas oneram sobremaneira os custos da administração e fazem com que a balança dos investimentos públicos penda decisivamente para a área de segurança, em detrimento de outras, as UPPs configuram uma nova estratégia de ocupação de longo prazo “pacífica”. Não se sabe até onde vai este “pacífica”, pois as invasões e ocupações da Polícia Militar são precedidas por “silenciosas” e “obscuras” ações de “limpeza” do Bope, o Batalhão de Operações Especiais (não por acaso, protagonista do filme Tropa de Elite) prudentemente excluídas de cobertura pela imprensa. Mas se é verdade que estas ocupações ocorrem de forma realmente pacífica, sem o dispêndio de tiroteios nem custo de vidas humanas, a pergunta que se faz é: por que não foram tentadas antes? Não era pois, absolutamente estranho, que as intervenções policiais fossem medradas por uma dúzia de adolescentes, mesmo que fortemente armada? Ou era interessante, do ponto de vista do controle policial, que o tráfico de drogas fosse realizado na anacrônica forma de atacado em bocas de fumo que estavam longe de serem desconhecidas? E afinal haverá, ainda, algum tipo de negociação obscura entre o Estado de Direito e o Estado paralelo, antes que a operação de ocupação ocorra? Os últimos eventos relacionados ao sequestro de turistas no Hotel Intercontinental parecem sugerir algo deste tipo...

Eleições 2010 (3)

O fascismo já é claramente presente na sociedade brasileira e tem sua marca no aumento de violência e criminalidade que assolam a população. Estratégias policiais de repressão foram tentadas nos últimos anos, algumas com mais sucesso do que outras. O filme Tropa de Elite e sua  recepção popular é uma evidência de que estratégias violentas de repressão estimulam as inclinações mais fascistas da massa. É óbvio que, historicamente, sempre houve um conluio entre o chamado Estado de direito e o Estado paralelo que se armou nas comunidades carentes. Isto confirma a hipótese de que não haja um vazio de estado que não seja ocupado por algum aparelho mafioso de controle. Ao que parece a continuação de Tropa de Elite 2, em breve nos cinemas, aborda justamente este arranjo entre a política “oficial” e a política “paralela” dos grupos mafiosos, ligados ao tráfico e às milícias. Ou em outras palavras: o “Estado de direito” não passa de uma impostura ideológica que responde dialeticamente ao “Direito de Estado”, clamado pelas comunidades periféricas, carentes sobretudo da presença dos mais simples aparelhos de cidadania eficientes.

Eleições 2010 (2)

Ora, este nível zero de participação política talvez tenha sua necessidade histórica. A primeira questão que surge é: será possível descer mais baixo? O que seria uma participação popular “negativa”? uma sugestão de resposta seria: abaixo do grau 0 de participação há o fascismo. O fascismo supõe não apenas se desonerar da vida política, mas criar um clima de animosidade constante contra qualquer mobilização popular por mudanças. Não é de hoje que o surgimento do fascismo está ligado não apenas ao adormecimento político de e da massa, mas à eclosão do moralismo que consiste em denunciar o ambiente necessariamente “corrupto” de toda política. O moralismo é, claramente, uma estratégia da direita, para quem a moral antecede sempre a política: a boa política é aquela feita pelos bons homens, isto é, os moralmente corretos. Para a esquerda, ao contrário, a política deve anteceder a ética: só é possível tomar uma decisão realmente ética num campo livre de determinações sociais opressivas. E a boa política deve sempre clamar pela justiça, contra toda a opressão.

Eleições 2010 (1)

As eleições de 2010 marcam o grau zero da política. Já alguns anos que a política vem sendo reduzida a uma mínima participação popular. É a derradeira vitória da proposta política da democracia (neo-)liberal: o que se espera de participação cidadã é apenas entrar de 4 em 4 anos numa fila e apertar o botão de uma máquina. Não mais se debatem agendas, programas, direitos nem sequer ideias. Nada a ver com a luta pela transformação social. Trata-se apenas de escolher entre gestores pré-programados que levarão adiante a administração dos aparelhos de estado. Mas é preciso admitir que esta fórmula gerencial de lidar com a "coisa pública" corresponda a um secreto desejo inerente à sociedade de consumo capitalista: o voto não significa participação, ele atende antes à necessidade da população de se desonerar da tarefa política que supõe atividades trabalhosas, tais como lutar, protestar, pressionar, formular ideias, etc., dando oportunidade para que as pessoas possam se dedicar integralmente aos seus afazeres "privados" enquanto delegam o “custo político” da vida pública aos gestores eleitos.