quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Teses sobre o desejo (10)

“Narciso acha feio o que não é espelho”: o aspecto monstruoso do desejo é o de sua estranheza, de parecer vir de um outro lugar, de não lhe “pertencer”. Portanto, o primeiro ato em relação ao desejo é o de reconhecimento. Reconhecer o desejo é oposto a reprimir o desejo. No lugar de dizer “não quero saber nada disso”, frase predileta dos histéricos e neuróticos ao recusarem a forma monstruosa do desejo, o ato de reconhecer o desejo como um desejo seu, próprio, é o passo inicial de estar “conforme a seu desejo”. É um ato não apenas ético, mas estético, de fazer a “monstruosidade” se tornar algo belo, apenas por uma mudança de perspectiva, como um ato de assumir o próprio desejo. Assim, a famosa “luta pelo reconhecimento” de que falava o filósofo Hegel é travada inicialmente em nossa intimidade. Como querer que os outros nos reconheçam se nós mesmos não nos reconhecemos? Mas aí entra algo de sutil, pois um reconhecimento de si, como um olhar para si próprio, tem algo de paradoxal. Não podemos olhar para nós próprios (i.e. para “nós outros” como bem dizem os ibéricos...) a não ser passando pela alteridade de um olhar que vem de “fora”...  

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

come as you are

Imagem de André Dahmer

ninguém muda ninguém,
nem precisava
se, por debaixo da pele,
revolve a lava,

se, por dentro das veias,
corre álcool e ânsia,
se, no miolo da mente,
habita uma infância. 

-Venha, venha como é,
venha com sua nudez,
venha por inteiramente,
venha já, venha de vez.

ninguém muda ninguém
apenas se abre
o cofre, a fortaleza
guardada por sabres:

para que entre o vento,
para que surja o lance
de dados, erro ou azar,
para a  fortuna ter chance.

- Venha, venha como é,
venha como quiser:
como ave ou como anjo,
um felino ou uma  mulher.

ninguém muda ninguém,
é só um deixar-se
os dias, as noites,
as razões, os disfarces,

o que impede ou previne,
o que provoca alarma:
-Venha, venha como é,
mas não venha com uma arma.