sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Teses sobre o desejo (9)

Por que se quer reprimir o desejo? Simples a resposta: porque ele é monstruoso. Porque a imagem que ele nos retorna, depois de seu circuito, é deformante, estranha, incongruente. Mas esta estranheza é absolutamente necessária. Ela expressa a alteridade essencial do caráter do desejo. O desejo parece vir de outro lugar, de um lugar estranho e distante. “Este desejo não me pertence”, é a reação clássica do neurótico ou da histérica quando sente a emergência do desejo. É como se um “outro” estivesse desejando, no lugar de nós mesmos. E, na verdade, é esta dialética entre o outro e o mesmo que faz a realidade conflituosa do desejo. Para entender esta dialética é preciso recorrer ao mito de narciso. Narciso é aquele que, segundo a lenda grega, se apaixonou por sua própria imagem. Mas a lenda nos adverte que ao vê-la refletida na superfície de um lago, Narciso ficou enfeitiçado. Entrou, por assim dizer, em “loop”: encontrou a imagem ideal de si próprio e não precisou de mais nada. Completou-se em sua própria imagem perfeita e, assim, nada mais desejou. Tornou-se uma flor que, não por acaso, tem efeitos entorpecentes. Pois, não precisando de mais nada, além de sua imagem perfeita, Narciso adormeceu, adormeceu-se, adormeceu seu desejo. É exatamente para evitar esta identificação narcótica e paralisante que o desejo nos retorna sempre com um aspecto monstruoso...

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